segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

POR QUE ATENDER PAIS E CRIANÇAS?

     





“Paulo e Vera procuram auxílio para seu filho André, hoje com 4 anos, que vem apresentando comportamento de isolamento na escola. Não quer conversar com eles sobre o que está acontecendo. Prefere brincar sozinho, solicitando pouco os adultos. Requer atenção apenas quando quer alguma coisa. Vera relata que se sente isolada. Esta sensação lhe remete à sua infância, quando seu pai retornava muito alterado para casa e agredia sua mãe e irmã mais velha. Ela mergulha nesta lembrança de ambivalência: ficou de fora da cena agressiva, mas, por outro lado, isto lhe salvou. O isolamento do filho parece cutucar esta lembrança.”



O relato acima, embora fictício, ilustra o cotidiano do acolhimento clínico que se realiza no atendimento de crianças. Acolher e receber as tramas dramáticas de uma família é o nosso ofício. Sabemos como as tragédias familiares têm o dom de se emaranhar com a história subjetiva de cada um de nós. Com a família de André, o mesmo processo acontece.
Poder falar de como um evento trágico incide no drama pessoal de cada um dos envolvidos está longe de colocar ambos como causa e consequência. Mas vemos que, em muitos casos, ao realizar este trabalho de circulação dos eventos da história familiar, as condições e relações entre os membros desta família melhoram, isto é válido também para as crianças.
É da maior importância ter claro que fatos da história não são suficientes, principalmente nos casos de maior gravidade, para afirmar a causa de uma sintomatologia na infância. Mas não devemos esquecer que somos seres históricos e estamos acostumados a pensar nesta perspectiva. Somos a única espécie que tem noção do tempo, a qual cada pessoa se comporta de forma única e é capaz de construir uma trama psíquica sobre suas vivências.
Esta construção não deve ser entendida como causa de uma doença.   Ela se inscreve nas nossas vivências, principalmente diante do sofrimento. Mas não necessariamente explica a causa de uma doença. São realidades distintas. Estamos diante de uma pluralidade de fatores aonde a reconstrução de um fato difere muito da reconstituição dos fatos. Incorrer na confusão entre a possibilidade de reconstrução simbólica de uma vivência e a restituição do factual tem suas implicações éticas.
Quando vê o isolamento de seu filho André, Vera é invadida por lembranças. Ao se trabalhar tais lembranças ela terá novos recursos para lidar com André sem se paralisar diante dos sentimentos de solidão e isolamento que sua lembrança evoca. O movimento interno de Vera pode abrir novas possibilidades para André, inclusive para que este possa realizar o seu trabalho analítico. Vejam, não estamos falando de causa de uma doença e sim do movimento plástico das tramas psíquicas.
Quando uma família nos solicita ajuda, está em dificuldades e seus membros sentem-se sozinhos. Sabemos da dor dos pais quando nos procuram e da dificuldade de enfrentarem estas dores sozinhos.
Nós, analistas, também somos afetados pelos dramas dos quais cuidamos, mas compartilhar ou demonstrar tais sentimentos podem mais atrapalhar do que ajudar as crianças e famílias em uma análise. Tais sentimentos costumam ser uma ótima bússola para ajudar no tratamento, dão notícias sobre as vivências das famílias.  Mas isto não quer dizer que entendemos ser possível achar um culpado ou uma causa única para o que está acontecendo com a criança e a família.

Toda esta discussão, da maior importância, vem sendo nosso foco, tanto nos acolhimentos institucionais como nos consultórios.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Como deve ser o trabalho de profissionais da saúde na primeira infância?

Entrevista concedida à TV UNESP

A psicanalista Mira Wajntal destaca o papel de intervenção para diagnosticar patologias


http://www.tv.unesp.br/3953




Os profissionais de saúde têm um papel fundamental ao compreender a relação entre pais e filhos a fim de diagnosticar indicadores que podem mostrar patologias graves. A psicanalista Mira Wajntal detalha o trabalho de formação no Instituto Sedes Sapientiae e da prefeitura de São Paulo nos hospitais de infância.

Mira detalha ainda que faltam políticas públicas para valorizar as crianças com problemas psíquicos.



domingo, 26 de outubro de 2014

DE ONDE NASCE O BULLYING?*






Se pensarmos bem sobre a vivência de ser intimidado (bullying), quer a tenhamos sofrido ou a assistido de perto, veremos que há sempre um conteúdo de vingança na intimidação. Curiosamente, a intimidação é praticada, justamente, pelas pessoas que se sentem ameaçadas ou privadas de algum bem de usufruto que um colega possui ou que ele crê que possui. Estes bens podem ser tanto materiais, como uma posição de prestígio, ou de ser amado.
O desejo de igualdade e justiça acaba por esconder seu verdadeiro objetivo que é fazer com que o outro, o rival, sinta-se exatamente como nós, sem nada.
Hoje em dia, o mundo moderno valoriza não o que se é, mas o que se tem. Acredita-se que o ter é igual a poder usufruir da vida.

Aquele que exerce a intimidação em geral é uma pessoa que teme muito perder. Isto pode ocorrer porque esta pessoa já teve vivências dramáticas, vivências de privação, ter sido vítima de bullying, ou pela resolução que deu a seu conflito invejoso[1].  O Intimidador é aquele que por temer em demasiado perder, e sabe disto, se vale de uma tentativa de liderança, atacando um colega semelhante, pessoa que tem uma fragilidade que ele identifica como igual à sua, garantindo a sua liderança e, portanto, sua imunidade ao ataque - ataca para se assegurar que não será atacado. Embora negue, o agressor está fortemente identificado com sua vítima.

Vemos que há um grande correlato entre pessoas que dizem ter sofrido uma intimidação e as que exercem uma intimidação. Ou seja, o pensamento do tipo: “já que fizeram comigo, faço por vingança” parece estar em uma parcela significativa dos casos.
Isto também nos lembra dos jogos infantis, nos quais veremos que a criança repete justamente o que há de mais desagradável para si. Esta curiosa repetição é a forma de dominar suas vivências desagradáveis. Domínio este que lhe dá prazer.

Por fim, situação que muito instiga pais e educadores é o fato das vítimas não pedirem socorro. Isto parece acontecer, em parte, pelos mesmos mecanismos. Por se ver identificado com o intimidador, que usufrui do prestígio de líder, a vítima teme perder seu lugar junto ao líder e a ele se submete. Mas, creio que na primeira oportunidade de exercer esta atividade - de intimidar - ele irá fazer, por vingança, mesmo que em outro colega ou ambiente.

Está aí uma boa chave para a discussão do tema, tanto entre pais e educadores, como em um grupo em que este processo esteja ocorrendo.





*Baseado nos comentários realizados na banca de TCA de Bruna Carvalho Simões no Colégio Oswald de Andrade (2013).


[1] Leia mais sobre os sentimentos de inveja no texto publicado sobre o tema neste blog.

domingo, 1 de junho de 2014

SERÁ AUTISMO?

Hoje em dia, o autismo é considerada uma síndrome comportamental. Há uma vantagem nisto: tira-se o peso de se encontrar uma única causa para o autismo, abrindo um rico campo para pensá-lo como resultado da interação de múltiplas causas, quer sejam genéticas, biológicas, ambientais ou afetivas. Não devemos entender o autismo como relacionado apenas a um fator.
A desvantagem é que desde que ele passou a ser descrito desta forma, uma quantidade muito grande de crianças passaram a receber este diagnóstico, criando um espectro enorme de casos clínicos, muito diferentes, em um mesmo enquadramento.
A resposta de como perceber que uma pessoa é portadora de autismo também não é simples. Atualmente, tanto as pesquisas como as diversas terapias e modalidade de tratamento apontam para o fato de que quanto mais cedo se intervém, melhor o prognóstico e menos custoso será o tratamento. De qualquer forma, não se deve dar este diagnóstico antes dos 2 – 3 anos. Mas, nesta ocasião, já perdemos a oportunidade de agir, quando há maior neuroplasticidade, possibilitando que se faça uma intervenção antes que se instale definitivamente um processo mórbido. Então o mais interessante é que possamos saber detectar sinais de alerta de que um bebê não está bem. Realizar uma intervenção em tempo, antes que as estruturas do funcionamento mental se instaurem em definitivo.
 A dificuldade de tudo isto é não estabelecer uma linha direta do tipo há a presença de um sinal de alerta, logo o bebê é autista. Isto seria criminoso e iatrogênico, ou seja, um distúrbio provocado pelo tratamento.
Em pediatria todo sinal deve ser visto ao longo do desenvolvimento. Um diagnóstico em saúde mental na infância deveria obedecer a mesma regra.
Uma política de intervenção precoce não pretende fazer diagnóstico no primeiro ano de vida, mas detectar, a partir de sinais de riscos, possíveis problemas no desenvolvimento do bebê com a finalidade de intervir.
Desta forma, o que é um sinal que nos faz perceber o autismo será muito diferente para cada idade.
Para crianças maiores de 3 anos podemos observar os seguintes sinais (Kanner 1943):
·       Evitam tanto o contato físico como o contato pelo olhar;
·       Tratam as outras pessoas como se fossem objetos;
·       Apresentam fala repetitiva;
·       Têm reações de horror a qualquer perturbação do meio;
·        Apresentam sensibilidade e memória fenomenais para qualquer alteração de rotina, detalhes ou objetos;
·       Suas ações são repetitivas e monótonas;
·       Ficam por longos períodos balançando-se (balanceio corporal);

Particularmente, me interesso pelo reconhecimento precoce de que um bebê não está bem na relação com o outro. As pesquisas feitas a partir dos pressupostos da psicanálise, indicam como sinal comum a todas as crianças de risco de desenvolver autismo a ausência de um "interesse pelo interesse" de seu cuidador, em geral os pais.
Os bebês nascem com “a motive for the motive of the other”. Não é o caso  dos bebês que se tornam autistas. Se fizermos uma pesquisa retroativa sobre seus primeiros anos de vida - isto já foi feito em acervo de filmes caseiros de crianças que vieram a receber o diagnóstico de autismo - veremos que em nenhum momento ele toma as rédeas da situação, para se fazer ele mesmo objeto de brincadeiras com a mãe. Ou seja, quando uma mãe brinca com o bebê, ele não só se diverte, como consegue perceber o valor que ele tem para estes que dele cuidam. Quando um jogo de beijos ou cócegas, por exemplo, é interrompido, é esperado que a partir do oitavo/nono mês o bebê passe a fazer provocações para retomar a brincadeira que causava prazer, tanto para ele como para a mãe.
Os bebês de riscos são aqueles que:
·       Não fazem contato olho a olho (até os 2 meses);
·       Não fazem qualquer gesto imitativo quando um adulto interage com ele.
·       Não sorriem (3 meses);
·       Não dirigem o olhar quando falam com ela (3 meses);
·       Não demonstram qualquer atitude antecipatória em direção aos adultos que lhes despendem os cuidados, sendo de difícil ajuste à posição do corpo quando carregadas(4 -5 meses);
·       Não balbuciam (4 -5 meses);
·       São indiferentes à presença ou ausência do cuidador (4-5 meses);

·       Não apresentam interesse ou atitude de convocar o outro em uma brincadeira (a partir dos 7 meses).

segunda-feira, 10 de junho de 2013

UMA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO DO CORPO

Em muitas oportunidades recebi famílias que traziam crianças com patologias graves.
Em geral, estas crianças, muito precocemente, haviam apresentado atraso de uma ou mais funções do desenvolvimento afetivo, cognitivo, motor, da linguagem ou da socialização que, apesar da queixa da mãe, não foram reconhecidos como sintoma pelo pediatra.
Só vieram a receber um diagnóstico aproximadamente aos seis ou sete anos e, com muita sorte, conseguiram algum tipo de tratamento, após o diagnóstico.
Nesta ocasião, o olhar dos familiares, a esperança muda, desgastada, de quem já passou por muitas consultas e nem sabe bem formular o que está acontecendo. 
Nas primeira entrevistas, os familiares pronunciam poucas palavras, parecem enunciar que para compreender seu sofrimento basta apenas ver a criança da qual se queixam. Voltam-se para o analista com a expectativa de que ele saiba explicar o que está acontecendo. A queixa familiar parece ter silenciado e a manifestação comportamental destas crianças parece ser o único testemunho do sofrimento. 
Cultivar a fala, a reflexão e a biografia nestas famílias é quase um malabarismo. Exige do clínico transportar enigmas do indizível, pesares, angústias e, assim mesmo, encontrar caminhos criativos para que as mesmas venham ao mundo da associação de idéias, isto é, para que estas famílias tomem para si a tarefa de construírem os alicerces da narrativa de suas histórias.



In: Wajntal, M. – “Uma Clínica para a Construção do Corpo”, SP, Via Lettera, 2004.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

A CRIANÇA, SUA HISTÓRIA, OS PROFESSORES E A REPETIÇÃO


Nas salas de aulas, é frequente que professores e alunos encontrem crianças que pareçam ser impossíveis. Estes alunos acabam sendo marcados como difíceis. Muitas vezes, sua permanência na escola fica comprometida. Pais, crianças e professores saem "arrasados" desta experiência, prometendo nunca mais repetir o feito, mas todas as mudanças propostas não surtem efeito.
O que pode estar acontecendo?
É claro que o problema tem múltiplos fatores, mas há um aspecto que considero da maior importância, cuja explicitação resulta em eficácia, e pouco vem sendo abordado nas escolas, frente a este problema.
Trata-se do fato dos adultos que se ocupam da criança estarem induzidos a viver papéis dos quais jamais se imaginaram desempenhando. Isto é, realizam junto com a criança um tipo muito particular de rememoração, desempenhando e agindo de forma estranha para eles mesmos. Com freqüência, o educador terá a sensação de não se reconhecer ao tomar uma atitude, mas, inevitavelmente, diante desta criança, protagoniza este papel.
O que é isto?
Todos nós temos uma verdade que não é lembrada facilmente, trata-se de um esquecimento sobre um fato importante e determinante da história de cada um. Em geral, serão fatos desta natureza que rememoramos, não através de uma recordação, mas através de uma atuação, reproduzindo, sem nos darmos conta disto, temas que são motivo de conflito psíquico para nós.
O que se observa é que com esta criança considerada difícil, os profissionais acabam exercendo papéis que repetem cenas importantes da história desta criança que foram completamente esquecidas. Em geral, tais fatos da história dela estão de alguma forma relacionados com a sua dificuldade de integração. Isto pode acontecer sem que nenhum dos envolvidos possa se dar conta disto ou saiba explicitamente destes acontecimentos.
Uma vez que os profissionais caem nesta rede repetitiva da criança, ambos passam a viver fatos, entendidos como problemas pessoais, sem saber. Neste momento, a criança é deixada de escanteio e surgem vários conflitos entre os membros da equipe que trabalham com ela.
Quando é possível expressar estas vivências, nas reuniões de professores ou na supervisão institucional, veremos que independente da pessoa envolvida, o papel é desempenhado da mesma forma.
Por exemplo, João é uma criança inteligente e ativa, mas não consegue permanecer em nenhuma escola. Embora não tenha nenhuma dificuldade de aprendizagem, é muito agressivo e destrutivo com os colegas. Tem uma grande habilidade em desqualificar as outras crianças, principalmente, diante do olhar de uma autoridade, em geral a professora, deixando a outra criança muito constrangida, por vezes incapaz de prosseguir na sua produção.
Esta cena se repete quando a coordenação pedagógica da escola entra em sala com o objetivo de mediar o problema. João consegue realizar toda sorte de atitudes, colocando a professora em uma situação em que se sente muito desqualificada, portanto, constrangida diante de seus superiores. A professora chega a se questionar se é capaz de ser uma boa profissional.
Se buscarmos na história de vida de João, veremos que há alguma situação que aponta para esta vivência repetida por aqueles que lhe prestam atenção e cuidados. Situações como o fato da avó paterna nunca ter autorizado a mãe de João a ser integrante da família; ou a mãe, por ocupar uma posição de grande prestígio social, desqualifica o marido por não ser tão bem sucedido como ela -  uma insistência repetitiva na qual todos acabam se envolvendo como protagonistas.
No momento em que estas vivências são explicitadas e reconhecidas como determinantes nestes mecanismos repetitivos que impedem a inclusão da criança na escola, o peso e mal estar da equipe que se vê capturada por estes mecanismos são aliviados, produzindo uma mudança no cenário de trabalho. Todos podem reconhecer o que está ocorrendo, integrando e elaborando as vivências, o que certamente produzirá grande diferença para a criança.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

PAIS CANGURU

É possível confeccionar o seu







Há alguns anos morriam quase todos os prematuros numa cidade da Colômbia que não tinha incubadoras equipadas. Aí, o diretor do hospital teve uma ideia genial - criar uma incubadora prática, eficaz e gratuita: o próprio corpo da mãe, permitindo o contato pele a pele entre a mãe e o recém-nascido.
Assim, o bebê mantém sua temperatura (não perde calor) e fica perto de sua fonte de alimentação - a mama materna. Esse método lembra o que garante a vida do filhote do canguru que logo ao nascer sobe pelo corpo da mãe e entra dentro de uma bolsa que o aquece e contém as mamas.
O resultado foi uma surpresa maravilhosa e, por isso, foi adotado em muitos países. Nos lugares pobres, o método é usado “em vez de” a tecnologia e nos países desenvolvidos é utilizado “além de” a tecnologia para humanizar o atendimento do prematuro e permitir o estabelecimento do vínculo afetivo entre mãe e o recém nascido, além de apressar a alta hospitalar.
Como é: o prematuro fica pelado só com fraldas (se necessário, de touca na cabeça e um cobertor nas costas) e é mantido de pé, debaixo da blusa da mãe, contato pele a pele, entre as mamas (sem sutiã). Curiosamente, outros familiares e o próprio pai podem servir temporariamente de “mãe canguru”.
No Brasil, o pioneiro foi o Hospital Guilherme Álvaro,da Faculdade de Medicina de Santos.



Texto elaborado pelo Prof. Dr. Jayme Murahovschi, em um projeto que desenvolemos conjuntamente (1999 - 2001)