domingo, 1 de junho de 2014

SERÁ AUTISMO?

Hoje em dia, o autismo é considerada uma síndrome comportamental. Há uma vantagem nisto: tira-se o peso de se encontrar uma única causa para o autismo, abrindo um rico campo para pensá-lo como resultado da interação de múltiplas causas, quer sejam genéticas, biológicas, ambientais ou afetivas. Não devemos entender o autismo como relacionado apenas a um fator.
A desvantagem é que desde que ele passou a ser descrito desta forma, uma quantidade muito grande de crianças passaram a receber este diagnóstico, criando um espectro enorme de casos clínicos, muito diferentes, em um mesmo enquadramento.
A resposta de como perceber que uma pessoa é portadora de autismo também não é simples. Atualmente, tanto as pesquisas como as diversas terapias e modalidade de tratamento apontam para o fato de que quanto mais cedo se intervém, melhor o prognóstico e menos custoso será o tratamento. De qualquer forma, não se deve dar este diagnóstico antes dos 2 – 3 anos. Mas, nesta ocasião, já perdemos a oportunidade de agir, quando há maior neuroplasticidade, possibilitando que se faça uma intervenção antes que se instale definitivamente um processo mórbido. Então o mais interessante é que possamos saber detectar sinais de alerta de que um bebê não está bem. Realizar uma intervenção em tempo, antes que as estruturas do funcionamento mental se instaurem em definitivo.
 A dificuldade de tudo isto é não estabelecer uma linha direta do tipo há a presença de um sinal de alerta, logo o bebê é autista. Isto seria criminoso e iatrogênico, ou seja, um distúrbio provocado pelo tratamento.
Em pediatria todo sinal deve ser visto ao longo do desenvolvimento. Um diagnóstico em saúde mental na infância deveria obedecer a mesma regra.
Uma política de intervenção precoce não pretende fazer diagnóstico no primeiro ano de vida, mas detectar, a partir de sinais de riscos, possíveis problemas no desenvolvimento do bebê com a finalidade de intervir.
Desta forma, o que é um sinal que nos faz perceber o autismo será muito diferente para cada idade.
Para crianças maiores de 3 anos podemos observar os seguintes sinais (Kanner 1943):
·       Evitam tanto o contato físico como o contato pelo olhar;
·       Tratam as outras pessoas como se fossem objetos;
·       Apresentam fala repetitiva;
·       Têm reações de horror a qualquer perturbação do meio;
·        Apresentam sensibilidade e memória fenomenais para qualquer alteração de rotina, detalhes ou objetos;
·       Suas ações são repetitivas e monótonas;
·       Ficam por longos períodos balançando-se (balanceio corporal);

Particularmente, me interesso pelo reconhecimento precoce de que um bebê não está bem na relação com o outro. As pesquisas feitas a partir dos pressupostos da psicanálise, indicam como sinal comum a todas as crianças de risco de desenvolver autismo a ausência de um "interesse pelo interesse" de seu cuidador, em geral os pais.
Os bebês nascem com “a motive for the motive of the other”. Não é o caso  dos bebês que se tornam autistas. Se fizermos uma pesquisa retroativa sobre seus primeiros anos de vida - isto já foi feito em acervo de filmes caseiros de crianças que vieram a receber o diagnóstico de autismo - veremos que em nenhum momento ele toma as rédeas da situação, para se fazer ele mesmo objeto de brincadeiras com a mãe. Ou seja, quando uma mãe brinca com o bebê, ele não só se diverte, como consegue perceber o valor que ele tem para estes que dele cuidam. Quando um jogo de beijos ou cócegas, por exemplo, é interrompido, é esperado que a partir do oitavo/nono mês o bebê passe a fazer provocações para retomar a brincadeira que causava prazer, tanto para ele como para a mãe.
Os bebês de riscos são aqueles que:
·       Não fazem contato olho a olho (até os 2 meses);
·       Não fazem qualquer gesto imitativo quando um adulto interage com ele.
·       Não sorriem (3 meses);
·       Não dirigem o olhar quando falam com ela (3 meses);
·       Não demonstram qualquer atitude antecipatória em direção aos adultos que lhes despendem os cuidados, sendo de difícil ajuste à posição do corpo quando carregadas(4 -5 meses);
·       Não balbuciam (4 -5 meses);
·       São indiferentes à presença ou ausência do cuidador (4-5 meses);

·       Não apresentam interesse ou atitude de convocar o outro em uma brincadeira (a partir dos 7 meses).

segunda-feira, 10 de junho de 2013

UMA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO DO CORPO

Em muitas oportunidades recebi famílias que traziam crianças com patologias graves.
Em geral, estas crianças, muito precocemente, haviam apresentado atraso de uma ou mais funções do desenvolvimento afetivo, cognitivo, motor, da linguagem ou da socialização que, apesar da queixa da mãe, não foram reconhecidos como sintoma pelo pediatra.
Só vieram a receber um diagnóstico aproximadamente aos seis ou sete anos e, com muita sorte, conseguiram algum tipo de tratamento, após o diagnóstico.
Nesta ocasião, o olhar dos familiares, a esperança muda, desgastada, de quem já passou por muitas consultas e nem sabe bem formular o que está acontecendo. 
Nas primeira entrevistas, os familiares pronunciam poucas palavras, parecem enunciar que para compreender seu sofrimento basta apenas ver a criança da qual se queixam. Voltam-se para o analista com a expectativa de que ele saiba explicar o que está acontecendo. A queixa familiar parece ter silenciado e a manifestação comportamental destas crianças parece ser o único testemunho do sofrimento. 
Cultivar a fala, a reflexão e a biografia nestas famílias é quase um malabarismo. Exige do clínico transportar enigmas do indizível, pesares, angústias e, assim mesmo, encontrar caminhos criativos para que as mesmas venham ao mundo da associação de idéias, isto é, para que estas famílias tomem para si a tarefa de construírem os alicerces da narrativa de suas histórias.



In: Wajntal, M. – “Uma Clínica para a Construção do Corpo”, SP, Via Lettera, 2004.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

A CRIANÇA, SUA HISTÓRIA, OS PROFESSORES E A REPETIÇÃO


Nas salas de aulas, é frequente que professores e alunos encontrem crianças que pareçam ser impossíveis. Estes alunos acabam sendo marcados como difíceis. Muitas vezes, sua permanência na escola fica comprometida. Pais, crianças e professores saem "arrasados" desta experiência, prometendo nunca mais repetir o feito, mas todas as mudanças propostas não surtem efeito.
O que pode estar acontecendo?
É claro que o problema tem múltiplos fatores, mas há um aspecto que considero da maior importância, cuja explicitação resulta em eficácia, e pouco vem sendo abordado nas escolas, frente a este problema.
Trata-se do fato dos adultos que se ocupam da criança estarem induzidos a viver papéis dos quais jamais se imaginaram desempenhando. Isto é, realizam junto com a criança um tipo muito particular de rememoração, desempenhando e agindo de forma estranha para eles mesmos. Com freqüência, o educador terá a sensação de não se reconhecer ao tomar uma atitude, mas, inevitavelmente, diante desta criança, protagoniza este papel.
O que é isto?
Todos nós temos uma verdade que não é lembrada facilmente, trata-se de um esquecimento sobre um fato importante e determinante da história de cada um. Em geral, serão fatos desta natureza que rememoramos, não através de uma recordação, mas através de uma atuação, reproduzindo, sem nos darmos conta disto, temas que são motivo de conflito psíquico para nós.
O que se observa é que com esta criança considerada difícil, os profissionais acabam exercendo papéis que repetem cenas importantes da história desta criança que foram completamente esquecidas. Em geral, tais fatos da história dela estão de alguma forma relacionados com a sua dificuldade de integração. Isto pode acontecer sem que nenhum dos envolvidos possa se dar conta disto ou saiba explicitamente destes acontecimentos.
Uma vez que os profissionais caem nesta rede repetitiva da criança, ambos passam a viver fatos, entendidos como problemas pessoais, sem saber. Neste momento, a criança é deixada de escanteio e surgem vários conflitos entre os membros da equipe que trabalham com ela.
Quando é possível expressar estas vivências, nas reuniões de professores ou na supervisão institucional, veremos que independente da pessoa envolvida, o papel é desempenhado da mesma forma.
Por exemplo, João é uma criança inteligente e ativa, mas não consegue permanecer em nenhuma escola. Embora não tenha nenhuma dificuldade de aprendizagem, é muito agressivo e destrutivo com os colegas. Tem uma grande habilidade em desqualificar as outras crianças, principalmente, diante do olhar de uma autoridade, em geral a professora, deixando a outra criança muito constrangida, por vezes incapaz de prosseguir na sua produção.
Esta cena se repete quando a coordenação pedagógica da escola entra em sala com o objetivo de mediar o problema. João consegue realizar toda sorte de atitudes, colocando a professora em uma situação em que se sente muito desqualificada, portanto, constrangida diante de seus superiores. A professora chega a se questionar se é capaz de ser uma boa profissional.
Se buscarmos na história de vida de João, veremos que há alguma situação que aponta para esta vivência repetida por aqueles que lhe prestam atenção e cuidados. Situações como o fato da avó paterna nunca ter autorizado a mãe de João a ser integrante da família; ou a mãe, por ocupar uma posição de grande prestígio social, desqualifica o marido por não ser tão bem sucedido como ela -  uma insistência repetitiva na qual todos acabam se envolvendo como protagonistas.
No momento em que estas vivências são explicitadas e reconhecidas como determinantes nestes mecanismos repetitivos que impedem a inclusão da criança na escola, o peso e mal estar da equipe que se vê capturada por estes mecanismos são aliviados, produzindo uma mudança no cenário de trabalho. Todos podem reconhecer o que está ocorrendo, integrando e elaborando as vivências, o que certamente produzirá grande diferença para a criança.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

PAIS CANGURU

É possível confeccionar o seu







Há alguns anos morriam quase todos os prematuros numa cidade da Colômbia que não tinha incubadoras equipadas. Aí, o diretor do hospital teve uma ideia genial - criar uma incubadora prática, eficaz e gratuita: o próprio corpo da mãe, permitindo o contato pele a pele entre a mãe e o recém-nascido.
Assim, o bebê mantém sua temperatura (não perde calor) e fica perto de sua fonte de alimentação - a mama materna. Esse método lembra o que garante a vida do filhote do canguru que logo ao nascer sobe pelo corpo da mãe e entra dentro de uma bolsa que o aquece e contém as mamas.
O resultado foi uma surpresa maravilhosa e, por isso, foi adotado em muitos países. Nos lugares pobres, o método é usado “em vez de” a tecnologia e nos países desenvolvidos é utilizado “além de” a tecnologia para humanizar o atendimento do prematuro e permitir o estabelecimento do vínculo afetivo entre mãe e o recém nascido, além de apressar a alta hospitalar.
Como é: o prematuro fica pelado só com fraldas (se necessário, de touca na cabeça e um cobertor nas costas) e é mantido de pé, debaixo da blusa da mãe, contato pele a pele, entre as mamas (sem sutiã). Curiosamente, outros familiares e o próprio pai podem servir temporariamente de “mãe canguru”.
No Brasil, o pioneiro foi o Hospital Guilherme Álvaro,da Faculdade de Medicina de Santos.



Texto elaborado pelo Prof. Dr. Jayme Murahovschi, em um projeto que desenvolemos conjuntamente (1999 - 2001)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

FELIZES PARA SEMPRE


No mundo dos contos de fadas, nas estórias destinadas à infância, observamos que temas relacionados tanto à violência como ao erotismo são frequêntes, porém atenuados, suavizados e, por fim, compensados com um final feliz. Pode-se dizer que esta preferência pelas versões modificadas contendo estas características é o que prevalece hoje em dia como oferta literária e de entretenimento para nossos pequenos.
Isto pode ser analisado tanto pela ótica dos pais, da criança como da sociedade.
As mudanças no conteúdo das estórias infantis em certa medida respondem a questões narcisistas parentais, pois os pais querem não só sinalizar, como tentam garantir os votos de um bom futuro para os filhos. Estes votos são legítimos e genuínos, possivelmente o melhor que lhes reservou a realidade.
Devemos, apenas, ter cuidado para não sermos ingênuos em dois aspectos: ao tentar mostrar um lado ideal, onde qualquer conflito termine bem, que destino uma criança pode dar ao que realmente não vai bem. Como ela se sente sabendo que sua sorte não foi exatamente a prometida? Será que nos excessivos votos de um final feliz, também contém fantasias e temores “nada felizes” das vivências, dos fracassos e frustrações da realidade?
Neste sentido, o final feliz pode trazer embutido a negação que não podemos negligenciar: nem sempre a criança vive um mundo de sucessos e isto pode ser um motivo de grande angústia quando comparado às fabulas de finais felizes. Os pais e educadores devem ficar atentos a este aspecto para poder falar abertamente do conflito produzido.

Na medida em que a sociedade confere à criança um lugar próprio, é possível também conhecer suas especificidades e saber que seus recursos de elaboração são distintos dos adultos. Uma boa parte da  modificação dos tradicionais contos infantis se deve a isto.
Devemos nos perguntar, então, o que uma criança compreende do que lhe é falado, pois expor demais a mesma a conteúdos que ela não pode suportar pode ser traumático. Com frequência, a criança pega uma "carona" nas histórias contadas para elaborar as próprias questões, o que está difícil de compreender ou "digerir".
Saber dosar informações pode ser uma medida de proteção, pois muitas vezes uma criança pode viver uma informação como excessiva, negativa e pesada ou terrífica. Mas isto também não significa deixá-la em uma redoma sem expô-la a nada. Isto também seria uma falsa ideia do que é bom para a infância.
Se observarmos a brincadeira infantil veremos que ela repete justamente o que há de mais desagradável para si. Esta curiosa repetição é a forma que a criança tem de dominar suas vivências desagradáveis, quando este domínio é bem sucedido gera prazer. Por isto, os nossos pequenos gostam tanto de repetir brincadeiras e histórias.



Texto desenvolvido a partir do Trabalho de Aproveitamento de Curso, realizado por Marina Giovedi Arnoldi "Por que eles foram felizes para sempre?", Colegio Oswald de Andrade, São Paulo, 2011 do qual participei da banca examinadora.

sábado, 15 de dezembro de 2012

O SUJEITO NÃO É SEU DIAGNÓSTICO.


Vamos refletir sobre isto?

Com uma espectro cada vez mais sofisticado e segmentado de diagnósticos, crianças passam a ser vistas apenas como um rótulo, sem história ou subjetividade. Isto também gera a falsa ideia de que a solução para o rotulo é única. Ou seja, um único tratamento, só com um tipo eficaz de intervenção.


domingo, 2 de dezembro de 2012

CLÍNICA COM CRIANÇAS: ENLACES E DESENLACES








Reinventar a psicanálise diante de cada caso é uma prática constante da clínica com crianças. Estamos diante de um campo cuja diversidade de realidades e envolvimento com família, escola e instituições requer uso flexível e criativo dos dispositivos clínicos.


Reunimos aqui diversas experiências que discutem a clínica da primeira infância, sua peculiar dinâmica institucional, atendimento multiprofissional na intervenção precoce, inclusão em creche, início do tratamento e a especificidade da escuta da família no atendimento infantil

Apresentamos também textos sobre o final do tratamento, transtornos psicóticos, transtornos globais do desenvolvimento e o acompanhamento terapêutico com crianças para ilustrar as vicissitudes desta clínica.