No
mundo dos contos de fadas, nas estórias destinadas à infância, observamos que
temas relacionados tanto à violência como ao erotismo são frequêntes, porém
atenuados, suavizados e, por fim, compensados com um final feliz. Pode-se dizer
que esta preferência pelas versões modificadas contendo estas características é
o que prevalece hoje em dia como oferta literária e de entretenimento para
nossos pequenos.
Isto
pode ser analisado tanto pela ótica dos pais, da criança como da sociedade.
As
mudanças no conteúdo das estórias infantis em certa medida respondem a questões
narcisistas parentais, pois os pais querem não só sinalizar, como tentam
garantir os votos de um bom futuro para os filhos. Estes votos são legítimos e genuínos,
possivelmente o melhor que lhes reservou a realidade.
Devemos,
apenas, ter cuidado para não sermos ingênuos em dois aspectos: ao tentar
mostrar um lado ideal, onde qualquer conflito termine bem, que destino uma
criança pode dar ao que realmente não vai bem. Como ela se sente sabendo que
sua sorte não foi exatamente a prometida? Será que nos excessivos votos de um
final feliz, também contém fantasias e temores “nada felizes” das vivências,
dos fracassos e frustrações da realidade?
Neste
sentido, o final feliz pode trazer embutido a negação que não podemos
negligenciar: nem sempre a criança vive um mundo de sucessos e isto pode ser um
motivo de grande angústia quando comparado às fabulas de finais felizes. Os
pais e educadores devem ficar atentos a este aspecto para poder falar
abertamente do conflito produzido.
Na medida
em que a sociedade confere à criança um lugar próprio, é possível também
conhecer suas especificidades e saber que seus recursos de elaboração são
distintos dos adultos. Uma boa parte da modificação dos tradicionais contos infantis
se deve a isto.
Devemos
nos perguntar, então, o que uma criança compreende do que lhe é falado, pois expor
demais a mesma a conteúdos que ela não pode suportar pode ser traumático. Com
frequência, a criança pega uma "carona" nas histórias contadas para
elaborar as próprias questões, o que está difícil de compreender ou "digerir".
Saber
dosar informações pode ser uma medida de proteção, pois muitas vezes uma
criança pode viver uma informação como excessiva, negativa e pesada ou terrífica.
Mas isto também não significa deixá-la em uma redoma sem expô-la a nada. Isto
também seria uma falsa ideia do que é bom para a infância.
Se
observarmos a brincadeira infantil veremos que ela repete justamente o que há
de mais desagradável para si. Esta curiosa repetição é a forma que a criança
tem de dominar suas vivências desagradáveis, quando este domínio é bem sucedido
gera prazer. Por isto, os nossos pequenos gostam tanto de repetir brincadeiras
e histórias.
Texto desenvolvido a partir do Trabalho
de Aproveitamento de Curso, realizado por Marina Giovedi Arnoldi "Por que
eles foram felizes para sempre?", Colegio Oswald de Andrade, São Paulo,
2011 do qual participei da banca examinadora.