Estamos habituados a pensar que tudo em
nossas vidas tem uma causa, um motivo. Pouco damos espaço para pensar que
coisas também são frutos do acaso.
Para complicar um pouco, temos hoje em dia,
uma ideia bastante difundida, e também correta sobre tudo ter um motivo
inconsciente.
Sim, é
verdade! Há sempre uma motivação inconsciente em nossos atos! Então como
conciliar o acaso e a causa das coisas?
Proponho uma reflexão da maneira que encaramos
ambas. Motivação inconsciente não deve
ser compreendida como uma simples relação causa-efeito? A crença na relação de
causa linear, creio, é influenciada pela
fantasia inconsciente somada à nossa cultura científica.
A fantasia inconsciente é sempre um recobrimento de
uma ferida narcísica, obrigatória na vivência de todos, sobre o dilema de ser
ou não ser tudo para mamãe; ou mesmo ter ou não o objeto do desejo dela. A
explicação é sempre um recobrimento desta ferida, mas nem sempre se traduz sob
a lógica da causa/conseqüência. Mas estas construções terão seus efeitos nas
nossas escolhas, sejam conscientes ou inconscientes.
Então nos vemos
diante de outra importante questão, principalmente em um análise: Representar é
explicar? Ou, quando falamos em inconsciente, estamos diante de uma trama de
leis distintas?
Somos seres históricos, diferindo das demais espécies. Será isto,
justamente, o que nos torna seres temporais e capazes de nos portar de forma
única, pessoal e constituir, paralelamente, uma trama psíquica e uma narrativa sobre
nossas vivências, que traçará um jeito próprio de encarar o mundo.
A construção dramática de nossas vivências não
deve ser entendida como fonte única de todo sofrimento ou mesmo de uma
patologia, embora muitas vezes possam ter sua influência. Mito individual e
história pessoal, sem dúvida, estão vinculados ao fantasma que pode estar
fortemente aprisionado às nossas questões ou sofrimentos, mas não
necessariamente explicam a causa de tudo, como, por exemplo, algumas doenças.
Devemos ter cuidado redobrado para que “o
conceito de causa não seja a priori da compreensão”. A demonstração da causa é sempre experimental
e pressupõe uma determinação imutável das coisas, portanto, pressupõe que seja
sem história e asseguradora. Ao se falar demasiadamente em causas, estamos indo
na contramão dos caminhos da pulsão, que são para a psicanálise, a verdadeira
força da vida mental e da história individual.
A construção histórica difere de buscar as causas,
pois o inconsciente funciona sob outra lógica – o acaso. Trata-se da
casualidade do encontro entre as sensações e seus representantes, o encontro
entre o inconsciente parental e o do filho, o encontro mãe/bebê e o encontro
singular de cada destino. O acaso do encontro é também a causalidade
inconsciente, causa nada linear que implica em uma pluralidade de fatores e
respostas possíveis, das quais a reconstrução difere muito da reconstituição
dos fatos. Não se deve confundir a reconstrução simbólica com a restituição dos
fatos. Ao se construir simbolicamente uma história, abrimos espaço para mais
liberdade de escolha, e não a versão verídica da realidade acontecida. Evidentemente,
esse saber não é objetivo, pois cada um tem a sua verdade, e a sua versão dos
fatos que por mais que seja objetivamente compartilhado, nunca é vivido da
mesma forma por duas ou mais pessoas. Cada um conta a sua verdade da história.