segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O LUGAR DO ACASO EM NOSSAS VIDAS



Estamos habituados a pensar que tudo em nossas vidas tem uma causa, um motivo. Pouco damos espaço para pensar que coisas também são frutos do acaso.
Para complicar um pouco, temos hoje em dia, uma ideia bastante difundida, e também correta sobre tudo ter um motivo inconsciente.
 Sim, é verdade! Há sempre uma motivação inconsciente em nossos atos! Então como conciliar o acaso e a causa das coisas?
Proponho uma reflexão da maneira que encaramos ambas. Motivação inconsciente não deve ser compreendida como uma simples relação causa-efeito? A crença na relação de causa linear,  creio, é influenciada pela fantasia inconsciente somada à nossa cultura científica.
A fantasia inconsciente é sempre um recobrimento de uma ferida narcísica, obrigatória na vivência de todos, sobre o dilema de ser ou não ser tudo para mamãe; ou mesmo ter ou não o objeto do desejo dela. A explicação é sempre um recobrimento desta ferida, mas nem sempre se traduz sob a lógica da causa/conseqüência. Mas estas construções terão seus efeitos nas nossas escolhas, sejam conscientes ou inconscientes.
Então nos vemos diante de outra importante questão, principalmente em um análise: Representar é explicar? Ou, quando falamos em inconsciente, estamos diante de uma trama de leis distintas?
Somos seres históricos, diferindo das demais espécies. Será isto, justamente, o que nos torna seres temporais e capazes de nos portar de forma única, pessoal e constituir, paralelamente, uma trama psíquica e uma narrativa sobre nossas vivências, que traçará um jeito próprio de encarar o mundo.
A construção dramática de nossas vivências não deve ser entendida como fonte única de todo sofrimento ou mesmo de uma patologia, embora muitas vezes possam ter sua influência. Mito individual e história pessoal, sem dúvida, estão vinculados ao fantasma que pode estar fortemente aprisionado às nossas questões ou sofrimentos, mas não necessariamente explicam a causa de tudo, como, por exemplo, algumas doenças.
Devemos ter cuidado redobrado para que “o conceito de causa não seja a priori da compreensão”.  A demonstração da causa é sempre experimental e pressupõe uma determinação imutável das coisas, portanto, pressupõe que seja sem história e asseguradora. Ao se falar demasiadamente em causas, estamos indo na contramão dos caminhos da pulsão, que são para a psicanálise, a verdadeira força da vida mental e da história individual.
A construção histórica difere de buscar as causas, pois o inconsciente funciona sob outra lógica – o acaso. Trata-se da casualidade do encontro entre as sensações e seus representantes, o encontro entre o inconsciente parental e o do filho, o encontro mãe/bebê e o encontro singular de cada destino. O acaso do encontro é também a causalidade inconsciente, causa nada linear que implica em uma pluralidade de fatores e respostas possíveis, das quais a reconstrução difere muito da reconstituição dos fatos. Não se deve confundir a reconstrução simbólica com a restituição dos fatos. Ao se construir simbolicamente uma história, abrimos espaço para mais liberdade de escolha, e não a versão verídica da realidade acontecida. Evidentemente, esse saber não é objetivo, pois cada um tem a sua verdade, e a sua versão dos fatos que por mais que seja objetivamente compartilhado, nunca é vivido da mesma forma por duas ou mais pessoas. Cada um conta a sua verdade da história.