sábado, 15 de dezembro de 2012

O SUJEITO NÃO É SEU DIAGNÓSTICO.


Vamos refletir sobre isto?

Com uma espectro cada vez mais sofisticado e segmentado de diagnósticos, crianças passam a ser vistas apenas como um rótulo, sem história ou subjetividade. Isto também gera a falsa ideia de que a solução para o rotulo é única. Ou seja, um único tratamento, só com um tipo eficaz de intervenção.


domingo, 2 de dezembro de 2012

CLÍNICA COM CRIANÇAS: ENLACES E DESENLACES








Reinventar a psicanálise diante de cada caso é uma prática constante da clínica com crianças. Estamos diante de um campo cuja diversidade de realidades e envolvimento com família, escola e instituições requer uso flexível e criativo dos dispositivos clínicos.


Reunimos aqui diversas experiências que discutem a clínica da primeira infância, sua peculiar dinâmica institucional, atendimento multiprofissional na intervenção precoce, inclusão em creche, início do tratamento e a especificidade da escuta da família no atendimento infantil

Apresentamos também textos sobre o final do tratamento, transtornos psicóticos, transtornos globais do desenvolvimento e o acompanhamento terapêutico com crianças para ilustrar as vicissitudes desta clínica.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O LUGAR DO ACASO EM NOSSAS VIDAS



Estamos habituados a pensar que tudo em nossas vidas tem uma causa, um motivo. Pouco damos espaço para pensar que coisas também são frutos do acaso.
Para complicar um pouco, temos hoje em dia, uma ideia bastante difundida, e também correta sobre tudo ter um motivo inconsciente.
 Sim, é verdade! Há sempre uma motivação inconsciente em nossos atos! Então como conciliar o acaso e a causa das coisas?
Proponho uma reflexão da maneira que encaramos ambas. Motivação inconsciente não deve ser compreendida como uma simples relação causa-efeito? A crença na relação de causa linear,  creio, é influenciada pela fantasia inconsciente somada à nossa cultura científica.
A fantasia inconsciente é sempre um recobrimento de uma ferida narcísica, obrigatória na vivência de todos, sobre o dilema de ser ou não ser tudo para mamãe; ou mesmo ter ou não o objeto do desejo dela. A explicação é sempre um recobrimento desta ferida, mas nem sempre se traduz sob a lógica da causa/conseqüência. Mas estas construções terão seus efeitos nas nossas escolhas, sejam conscientes ou inconscientes.
Então nos vemos diante de outra importante questão, principalmente em um análise: Representar é explicar? Ou, quando falamos em inconsciente, estamos diante de uma trama de leis distintas?
Somos seres históricos, diferindo das demais espécies. Será isto, justamente, o que nos torna seres temporais e capazes de nos portar de forma única, pessoal e constituir, paralelamente, uma trama psíquica e uma narrativa sobre nossas vivências, que traçará um jeito próprio de encarar o mundo.
A construção dramática de nossas vivências não deve ser entendida como fonte única de todo sofrimento ou mesmo de uma patologia, embora muitas vezes possam ter sua influência. Mito individual e história pessoal, sem dúvida, estão vinculados ao fantasma que pode estar fortemente aprisionado às nossas questões ou sofrimentos, mas não necessariamente explicam a causa de tudo, como, por exemplo, algumas doenças.
Devemos ter cuidado redobrado para que “o conceito de causa não seja a priori da compreensão”.  A demonstração da causa é sempre experimental e pressupõe uma determinação imutável das coisas, portanto, pressupõe que seja sem história e asseguradora. Ao se falar demasiadamente em causas, estamos indo na contramão dos caminhos da pulsão, que são para a psicanálise, a verdadeira força da vida mental e da história individual.
A construção histórica difere de buscar as causas, pois o inconsciente funciona sob outra lógica – o acaso. Trata-se da casualidade do encontro entre as sensações e seus representantes, o encontro entre o inconsciente parental e o do filho, o encontro mãe/bebê e o encontro singular de cada destino. O acaso do encontro é também a causalidade inconsciente, causa nada linear que implica em uma pluralidade de fatores e respostas possíveis, das quais a reconstrução difere muito da reconstituição dos fatos. Não se deve confundir a reconstrução simbólica com a restituição dos fatos. Ao se construir simbolicamente uma história, abrimos espaço para mais liberdade de escolha, e não a versão verídica da realidade acontecida. Evidentemente, esse saber não é objetivo, pois cada um tem a sua verdade, e a sua versão dos fatos que por mais que seja objetivamente compartilhado, nunca é vivido da mesma forma por duas ou mais pessoas. Cada um conta a sua verdade da história.

domingo, 14 de outubro de 2012

COMO É DIFÍCIL LIDAR COM ESTA INVEJA!!!!


É comum  nos deparamos mordidos com o sentimento de inveja, ou nos sentimos injustiçados. Isto parece convocar o pior de cada um de nós.
Como entender ou lidar com isto?
Estes sentimentos que geralmente identificamos como negativos estão ligados a vivências das mais primitivas da nossa estrutura psíquica. Por mais que pareça justamente o contrário, são base do sentimento social, denominados sentimentos gregários – se constroem a partir do desejo compartilhado pelos membros de um grupo que haja justiça, ou seja, um tratamento igual para todos.
Para compreendermos como a mudança deste afeto acontece, vamos falar um pouco das nossas primeiras relações, pois estes sentimentos sociais não são inatos, mas construídos progressivamente ao longo da infância. Portanto, o sentimento comunitário não é encontrado nas crianças. Este tem por origem um sentimento primitivamente hostil, a inveja, que se transforma em um desfecho positivo, a identificação.
A identificação se constituirá a partir da inveja experimentada pelas crianças, muito precocemente, ao iniciar sua convivência com outras crianças, semelhantes a ela, e se verá na condição de disputar o amor e a atenção de uma pessoa amada. A hostilidade experimentada em relação ao rival é extremamente ameaçadora, na medida em que a criança reconhece  que a expressão de sua hostilidade pode significar o afastamento do ente querido, objeto de seu amor, obtendo assim, resultado oposto à sua verdadeira intenção.  O sentimento social ganha sua força ao reivindicar toda atenção de um líder e temer a disputa dos rivais. Desta forma, rivais a princípio acabam por se identificar devido ao fato de amarem o mesmo objeto
Mas por que, então, sentimos a inveja como hostil e fulminante em nossas vísceras, uma vez que tais sentimentos parecem desembocar justamente nos ideais sociais e comunitários?
O ideal altruísta de justiça  tendenciosamente esconde algo muito mais egoísta e individualista: seu verdadeiro objetivo é se certificar de que o rival fique sem nada, exatamente como nos sentimos. A inveja não é dirigida a um outro genérico, mas sim a um outro específico, que tem coisas das quais sentimos que não temos.
O que invejamos não está ligado à nossa sobrevivência, nem é necessariamente útil. O objeto da inveja é o que irá satisfazer o outro com o qual nos comparamos e nos identificamos. Assim, o que causa inveja, não é a posse do objeto, mas a fruição de prazer que o rival obtém com este objeto. É a imagem da satisfação do outro que nos captura. O invejoso nada mais é aquele que almeja a mesma satisfação.
Esta compreensão, nos põem diante de uma situação muito desconcertante! Realmente, dá pano para manga, muitas conversas e temas que irei desenvolver em outras oportunidades.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

COMO ELE VAI SER QUANDO CRESCER?


Todos os pais ao olharem para seus filhos fazem esta pergunta. É claro que é muito difícil falar como o bebê será. Não é possível determinar ou prever a vida de cada um, mesmo que possamos perceber várias características de uma criança desde cedo. Mas algumas das experiências iniciais da primeira infância serão marcantes na constituição da personalidade.
A personalidade é um conjunto de fatores que abarca tanto aspectos congênitos, com os quais nascemos; como aspectos constituídos na relação com o outro. Ela é resultante das nossas vivências.
Quando nascemos, o nosso sistema neuromotor é extremamente imaturo e ainda não temos a competência de expressar o que vivemos, sentimos ou mesmo como pensamos. Na verdade, o pensamento é resultado de um processo que se constitui na experiência com o outro, principalmente na relação com quem exerceu os primeiros cuidados com o bebê.
Ao nascer, alguns bebês são mais ativos e outros mais passivos. Assim como há mães mais pacientes, calmas e outras mais ansiosas e impacientes. Esta interação terá bastante influência na constituição de cada um.
O recém-nascido está sujeito a uma série de sensações que se originam tanto de estímulos externos, como dos órgãos internos. Ao sentir desconforto, ele é incapaz de agir de forma a interromper esta sensação, só lhe resta chorar. Ao atendê-lo, a mãe dá respostas com o intuito de apaziguá-lo no seu desconforto. Estas respostas vão se marcando como prazerosas quando lhe aliviam o mal estar. Será a partir destas experiências que vai se constituindo sua história.
Em geral, a família cria muitos ideais para o seu filho. Ele se insere em um projeto familiar. Para ilustrar,  conto a piada da mãe que sai para passear toda orgulhosa com os seus bebês gêmeos. Encontra uma amiga que pergunta: "Quem são?" A mãe responde: "Este é médico e o outro é o engenheiro."
Vemos, então, como um bebê está inserido em um contexto de ideais familiares. É claro que estes ideais não são só de coisas positivas. Também podem consistir em um pensamento do tipo: “será mais feliz em seu casamento do que eu”; ou algum temor da história dos progenitores: “não será tão louco como a tia”.
O que procuro ilustrar, é como ao chegar em uma família, a criança vem para ocupar, ou negar um lugar de expectativas. Este lugar é marcado como um ideal para esta criança. Lugar idealizado a ser cumprido ou a ser questionado.
Podemos afirmar que a personalidade do bebê é fortemente marcada pelo vivenciado. Todos nós conhecemos o jogo de “cadê/achou” dos pequenos. Este jogo pode ser tomado por metáfora de como o jogo de identificações acontece: ao perguntar para a criança: "Cadê o Joãozinho?" A imagem que irá aparecer será a do adulto que está brincando e        que afirma para a criança ao aparecer: “Achou o Joãozinho!!!”
O processo de identidade é muito parecido com o jogo de “cadê/achou”. Na procura do objeto de satisfação, o que aparece é a imagem do outro, do ideal dado pelo outro. Esta experiência regerá o que será a personalidade do bebê. Ou seja, a personalidade será editada sobre a experiência dos primeiros anos de vida. O aparelho psíquico se organiza de forma cada vez mais complexa por toda a infância.
Há marcos importantes do desenvolvimento psíquico infantil que podem ser observados e a ausência deles pode ser um alerta para os pais:
·        O bebê olha nos olhos daquele que fala com ele desde o nascimento.
·        O sorriso diante da presença de uma pessoa é esperado do 2º ao 3º mês.
·        Após o 4º mês, o bebê chora quando a pessoa se afasta dele.
·        Ele deve balbuciar em torno do 4º ou 5º mês.
·        Reconhece sua imagem no espelho e jubila diante dela a partir do 6º mês.
·        Sabe, deliberadamente, provocar o outro para que lhe dê carinho e atenção no 7º /8º mês.
Durante o primeiro ano, o bebê vai desenvolvendo a motricidade e a fala.
Em torno dos dois anos de idade, em geral, é um momento difícil par alguns pais, pois a criança já goza da autonomia motora, faz tudo para testar os limites e provocar os pais, obrigando-os a constantemente dizer não. Isto não que dizer que o filho será terrível ou difícil, apenas está experimentando sua autonomia.
Nesta ocasião, veremos de forma incipiente como a personalidade do sujeito começa a se delinear. Como disse, é um processo que se constitui por toda a infância a partir da experiência individual e única de cada um. Vivência que será reeditada na adolescência para ai, sim, se fixar, caracterizando o estilo de cada um. 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

TERAPIA DE CASAL E RELACIONAMENTO FAMILIAR


Um casal procura ajuda quando o seu relacionamento gera tanto atrito que passa a ser insuportável para um ou ambos. Cada um deve estar  se perguntando o que aconteceu com todos aqueles sentimentos e expectativas do início do casamento.  Podem estar pensando: "se soubessem que seria assim não teriam casado". Esta ideia parece, agora, ser uma perturbação constante, e não se tem a menor pista do porque de tal mudança.
Todo casamento está baseado em um pacto matrimonial. Isto é, fazemos algumas escolhas, sem nos darmos conta de aspectos familiares no parceiro. Não é por acaso, por exemplo, que uma mulher que não conheceu o pai, acabe por se casar com um homem distante que só a faz se sentir, mais uma vez, sem a tão almejada presença masculina.
Como disse, nem sempre percebemos a natureza e extensão deste pacto. Nossas atitudes são, na maioria das vezes, motivadas tanto por razões conhecidas, como pelas desconhecidas. Quando nos damos conta deste lado inesperado da relação, em geral ligado a motivos que aparentemente desconhecemos, tomamos um belo susto. Com freqüência, nos vemos pensando que estamos em uma relação próxima a aquilo que mais repudiamos na vida. “Como assim? Bem eu que queria tanto como companheira(o) alguém que não se metesse em tudo como minha mãe”, pensará.
De repente nos vemos enredados justamente naquilo que queríamos evitar?  “Mas logo comigo?”.
Isto acontece, e com freqüência, com todo mundo. Por que?
Trazemos um tipo especial de herança chamada de "herança simbólica". Ela é composta pelas histórias familiares, os segredos, desejos  e temores que nossos pais projetaram em nós. A motivação desconhecida e surpreendente que surgem nas relações que estabelecemos com o mundo e no nosso pacto matrimonial provem desta  herança simbólica. Parece que precisamos concretizá-la ou atualizá-la no presente para dela saber. Ou seja, sem perceber, escolhemos características nos pares que remetem, justamente, às recordações da história familiar que são mais delicadas e difíceis de lidar para nós.
Em um atendimento de casal, direciona-se a escuta para o pacto matrimonial realizado pela dupla. Ao conseguir perceber toda esta rede de tramas em que o relacionamento do casal está envolvido e a participação ativa de cada uma das partes justamente naquilo de que se queixam, cada qual estará realmente apto para decidir o destino de seu casamento e sua família.
De maneira geral, uma terapia de casal ou familiar visa liberar os indivíduos envolvidos na queixa para que possam se posicionar frente à relação com o parceiro e seguir o curso de suas vidas com mais satisfação e qualidade de vida.

domingo, 16 de setembro de 2012

DESENTENDIMENTOS DO CASAL SOBRE A EDUCAÇÃO DOS FILHOS...


Todos os pais ou casais já enfrentaram discussões, aparentemente sem fim, devido a divergências banais, quer sejam referente à educação do filho, quer por ideais ou interesses divergentes. Também não é raro que um dos pais venha a atribuir o comportamento indesejado do filho ao parceiro.
O que está acontecendo?
Como saber a hora e o tipo de ajuda que podemos procurar?
Podemos pensar estes episódios sob dois aspectos: o do casal e o da criança.
Para pedir socorro referente a algo que não vai bem ou a faz sofrer, uma criança lança mão de comportamentos que incomodem alguém próximo, em geral, os pais. É a sua maneira de expressar o que não consegue falar claramente como um adulto. Não se espera que uma criança consiga convocar um adulto para discutir a relação ou dizer que está magoada com alguma atitude ou decisão. Mas é freqüente que comece a ficar agressiva, ir mal na escola ou a se recusar a entender a matemática.
Na clínica, chamamos isto de um sintoma que comunica algo para um destinatário certo. E com o trabalho de escuta poderemos decifrar para quem é a mensagem e o porque desta mensagem. É por isto que alguns terapeutas especializados em crianças despendem uma parte do trabalho escutando os pais.
Esta parte do atendimento presume que, primeiro, a mensagem chegou de algum jeito e fez o seu efeito, portanto já há um trabalho para se realizar. Ou seja, o ato da criança incomoda e, ao incomodar, entendemos que ele é uma mensagem que chegou, mesmo que desta forma torta ao seu destinatário. Então teremos de checar como o destinatário, geralmente os pais, lidam com esta mensagem e se estão prontos para mudar de atitude.
Por exemplo, uma criança de 6 anos, com queixa de dificuldades no aprendizado, que sempre insistia na escola que os dois patinhos colocados na lousa pela professora são iguais a três e, por mais que se explicasse, ela recusava a explicação. Durante o atendimento do casal, a mãe contou que o filho é adotado e não sabia. Podemos supor que sua dificuldade em matemática pega uma carona no fato de haver um grande mistério em torno de sua origem. Pois na geração dos filhos "um mais um é igual a três". O trabalho feito com esta família foi sobre a possibilidade de contar a verdadeira história da criança para ela. O trabalho de revelação desta história possibilitou a esta criança ter um desempenho muito melhor na escola.
O segundo motivo de se realizar um trabalho com toda família é a suposição de que a criança está em desenvolvimento e, por isto, não tem a maturidade para poder assumir e nem promover uma mudança sozinha, necessitando do apoio dos pais. No exemplo acima, ela não poderia se encarregar sozinha de desvendar o mistério de sua origem. Neste caso, justificou-se tanto atender a família como a criança.
Assim pode-se dizer que quase toda psicoterapia infantil terá que contemplar um atendimento ou familiar, ou do casal, ou dos pais em separado, dependendo da escuta e do diagnóstico que o clínico fará da dinâmica envolvida na queixa.
Algumas vezes, apenas a escuta dos pais será o suficiente para que a criança não precise mais lançar mão do seu sintoma para comunicar o que não conseguia e possa seguir o curso do seu desenvolvimento como o esperado.
Nem sempre o trabalho é longo como uma análise individual de um adulto, mas pode levar qualquer um dos familiares a concluir que queiram um trabalho deste tipo.
Portanto, frente ao comportamento do filho que pode nos parecer insuportável e incompreensivo, vale a pena refletir se o mesmo carrega uma mensagem cifrada sobre suas dificuldades. Quando os pais não conseguem solucionar apenas na esfera familiar, talvez seja indicado consultar um profissional.

domingo, 9 de setembro de 2012

GESTAÇÃO INDEPENDENTE


Hoje em dia, e cada vez com mais freqüência, encontramos a mãe independente e, também, alguns pais independentes. Há um leque bem diverso de situações que faz com que apenas um dos pais esteja presente na vida da criança. O que temos em comum seriam as angústias e dúvidas dos pais nos momentos em que se sentem sozinhos devido a esta condição.
A primeira questão que se coloca é se estamos diante de uma opção ou não. A gravidez não planejada não é questão exclusiva da mãe independente, é mais difícil de enfrentá-la ao não se contar com o apoio do parceiro. Também passam a ser cada vez mais frequentes situações em que o pai quer a criança, mas não a relação com a mãe.
O tipo de relação entre os pais da criança também interfere nos sentimentos da mãe gestante e do futuro pai. Quando é fruto de uma relação mais longa, na qual se conhece mais o parceiro e sua história, a mulher pode vir a se sentir mais amparada afetivamente e financeiramente. A presença ou ausência do pai da criança acaba sendo ou um facilitador ou um problema, dependendo da relação que estabeleceram, se há mágoas e rancores ou entendimento e harmonia entre os parceiros.
A questão financeira também será um importante fator de estabilidade ou instabilidade para os pais independente. Se houver dependência financeira de seus pais, os futuros avós, certamente terão que lidar com a opinião deles, sua aceitação ou rejeição da gestação e da criança. Muitos avós podem implicar bastante durante a gestação, mas após o nascimento mudam o comportamento e se tornam avós exemplares. Outros, por valores morais, sempre ficarão cobrando o fato. Por sorte, hoje em dia, os pais independentes já não sofrem tantos obstáculos e preconceitos sociais como antigamente.
De qualquer forma a maneira como uma família recebe a notícia da vinda de um novo bebê, seu apoio ou rejeição, deixa sua marca. Tudo é sempre mais fácil quando se conta com o suporte afetivo e financeiro de uma família.
Por fim, a mãe independente terá que pensar como esta gestação e este filho coincidem com os seus planos e ideais. Ou seja, se a gestação veio a interromper algum projeto, se combina com o que imaginava para sua vida. Agora a mulher terá de reorganizar suas prioridades.
Toda mulher, todo homem têm conflitos e se questionam sobre seu desejo de maternidade e paternidade, mas esta passagem normal e esperada em torno de toda gestação pode adquirir outro caráter quando não se pode contar com o parceiro. Como dissemos acima, talvez tudo seja mais difícil quando nos sentimos sós. Mas este sentimento não é privilégio da mãe independente, nem do pai independente.
O pai se encontra na situação de ser independente, em geral, ou pelo abandono da mãe, deixando a criança aos seus cuidados, ou por alguma fatalidade na qual a mesma se viu afastada das suas funções. Nestes casos, o homem também terá que enfrentar a situação de cumprir um duplo papel, para o qual ele não se sente habilitado. Quando a separação ocorreu devido a uma fatalidade, o pai terá que lidar com um luto, além da nova condição.
Em matéria de maternidade ou paternidade, dependendo da maneira como se lida ou suporta as dificuldades, isto fará toda diferença na vida do filho. Então devemos cuidar bastante desta questão.
Portanto, cuidado para não cobrar do filho mágoas e sentimentos hostis que venham a nutrir do parceiro. A criança não pode ser culpada pelos seus sentimentos. Por mais que as circunstâncias da concepção de uma criança possam ser dolorosas, ela não deve arcar com o peso de seu sofrimento.
Por outro lado, se os pais se sentem em dívida pelo fato de não terem tido um relacionamento estável que tenha resultado em uma família de constelação tradicional, corre-se o risco de superproteger a criança, antecipando qualquer necessidade que seu filho venha a ter, justamente para que ele não se sinta diferente. Só que é importante reconhecer que esta diferença é sentida primeiro pelos pais, e os cuidados seriam a tradução disto.
Quando a criança não conhece ou convive com um dos pais, sempre rondará a preocupação se isto se tornará um problema na vida do filho. Nestes casos, quanto maior for a dificuldade do pai presente em lidar com a situação, mais isto poderá ser de difícil elaboração para a criança.
Qualquer que seja a situação, o importante é tentar falar às claras com a criança sobre os seus sentimentos e assumir as suas dificuldades, não esperando que ela compartilhe com você a mesma visão, deixando-a livre para ter uma imagem de pai e mãe que, não necessariamente, coincida com a relação que você estabelece ou estabeleceu com o parceiro.

domingo, 2 de setembro de 2012

E A PIMENTA CIUMENTA ATACA NOVAMENTE !


Lidar com os ciúmes dos filhos não é tarefa fácil. Em geral, acreditamos que é um problema apenas entre irmãos, mas logo que se inicia a convivência em grupo, vemos que todos, adultos e crianças, passamos pelo drama do ciúme. E aí está a primeira grande chave para lidar com a questão: assumir que ciúme existe e todos nós sentimos.
Então, acredito que a melhor maneira de ajudar os nossos pequenos é disponibilizar para eles a nossa compreensão das coisas, ajudando-os a entender alguns sentimentos que por vezes não são fáceis de ter.
Sou mãe de duas crianças com pouca idade de diferença. Sei que o drama dos ciúmes é quase cotidiano. Bom... mas como não ter ciúmes de ser a  "pêssega" da mamãe? Ou ser a "bochechinha cereja" mais linda do mundo? As cenas de manifestações de ciúmes são infernais, quase inibem os nossos mais apaixonados afetos pelos filhos, o que também é muito ruim.
Foi, então, que a anti-heroína Pimenta Ciumenta surgiu em nossa casa. Ataca a todos nós, sem exceção! Em geral, quando uma criança está recebendo muita atenção, ouvimos o choro da outra sendo atacada por ela:
- Puxa vida! Olha a Pimenta Ciumenta, tá atacando! Vem para cá, pertinho, você também, que a gente faz ela ir embora.
Como esta Pimenta Ciumenta é chata, também ataca sempre quando estamos sozinhos, hein?
Hora da refeição e as crianças brigam para ver quem é que vai sentar perto do pai. Não é que a Pimenta também atacou a mamãe?!
O fato é que esta anti-heroína ajudou tanto a elaborar e mataforizar este dramático cotidiano que, recentemente, até a convidei para participar dos ateliers terapêuticos que coordeno – ela fez bastante sucesso! 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

UMA CLÍNICA PARA QUEM NÃO FALA


Escutar aqueles que não falam e propor um modelo para esta clínica, aparentemente, para alguns, pode soar absurdo, uma vez que dentro dos paradigmas psicanalíticos supomos que é necessário um sujeito que fale e outro que escute sobre uma transferência. Os bebês e a maioria das crianças que sofrem das patologias precoces do contato com o outro não falam, mas sempre são acompanhados por aqueles que muito têm deles a falar.
Desta forma, o atendimento destas crianças ou bebês contempla pelo menos mais uma pessoa: aquela que se responsabiliza pelos seus cuidados e exerce a função materna. Neste modelo, acredita-se que a constituição do sujeito psíquico deva ser realizada com a presença daqueles que exercem esta função.
A principal particularidade do atendimento de criança é a maneira como este é demandado: sempre haverá, primeiro, um adulto falando por ela. Um adulto a quem o sintoma ou manifestação da criança fez sentido ou é reconhecido como fonte de sofrimento.
Portanto, o atendimento pode implicar em várias constelações, em geral, logo entra em cena a família. Na maioria das vezes, atender uma criança implica em escutar toda a família. Esta situação será mais gritante quanto menos a criança puder falar por si. Quanto menos fala o sujeito, mais falam por ele, demandam por ele. Será necessário, então, entender esta demanda e explicitá-la. O manejo destas outras falas em torno da criança estará diretamente ligado a uma concepção, ou melhor, ao diagnóstico que o clínico fará da situação.

domingo, 26 de agosto de 2012

A CRIANÇA, SUA MÃE, SUA CHUPETA E A LOJISTA.


Tirar a chupeta de nossos pequenos é sempre um tema de nosso interesse. Depois do primeiro ano de vida, nenhum dos pais acha legal seu uso, mas tem enorme dificuldade em tirá-la. A criança acaba então utilizando-a até depois dos dois anos.
Nesta ocasião, ela pode ser um fator que prejudique a aquisição da fala. E os pais começam a ir atrás das receitas e de uma almejada solução milagrosa. Todo mundo terá uma história para contar: algumas bem sucedidas, outras sofridas. Há crianças que reagem muito bem e colaboram, sentindo que estão crescendo, outras ficam enfurecidas investindo todo seu ódio contra os pais.
Recentemente passei por uma situação que me ensinou muito sobre o tema. Já vinha tentando tirar a chupeta da Filha de 2 anos, há alguns meses. Ela abusava de sua chupeta. Qualquer frustração a procurava, não queria tirá-la para brincar e, por fim, nem queria tirar para falar. Embora ela tenha uma boa aquisição da fala, esta estava visivelmente ficando comprometida.
O primeiro passo foi ensiná-la a não utilizar a chupeta durante o dia, mas apenas para dormir. Depois a investida foi que ela jogasse fora a chupeta. Mas, como? Jogar fora?
Entramos em uma loja e dissemos o seguinte: “Escolha o que você quiser que quando você parar de chupar chupeta vamos lhe dar”. A loja era maravilhosa e qualquer criança lá fica seduzida, não foi difícil escolher coisas muito interessantes para ganhar quando jogasse fora a chupeta. A lojista - esperta esta lojista, logo comentou: sabe, eu conheço uma fadinha que guarda as chupetas e te dá o presente que você quiser”. Não precisa nem dizer que os olhos dela brilharam. “Eu quero, eu quero dar minha chupeta para fadinha!”.
Pois é, e nós pais insensíveis queríamos jogar fora àquilo que é um objeto de amor da criança! Quantas vezes esta chupeta já não havia ido para o lixo sob o olhar angustiado da nossa filha, que minutos depois entrava em desespero para reavê-la. Nem conseguimos nos lembrar que introduzimos a chupeta provavelmente para, de alguma forma, nos substituir. Que insensibilidade...
Embarcando na deixa da lojista, contamos que a fada transformaria a chupeta dela em estrelinha e, nas noites bonitas ela, a Flávia, poderia vê-la. Às vezes são espertos os pais.
Uma semana depois, levamos suas chupetas para a fadinha. Missão executada, e naquela primeira tarde, na hora do soninho um pouco de choro, 15 minutos exatamente, e nada de dormir. Fomos à Festa Junina da escola e, no fim de tarde, após a festança uma estrela aparece no céu. O pai mais que de pressa mostrou: “Olhe sua chupeta que virou estrela!”
Ela olhou emocionada, suspirou. Antes de dormir, foi até a janela, deu mais algumas suspiradinhas saudosas, mas se deitou sem pedir pela chupeta.
Ela ainda tem um pouco de dificuldade de adormecer e, às vezes, fica a olhar as estrelas com saudosismo, mas está muito orgulhosa pela conquista. 
 Podemos tirar a seguinte lição: se quisermos tirar a chupeta da criança, devemos lhe conferir seu verdadeiro valor. Para ela não são objetos que ficaram obsoletos como para nós. São objetos amados e, às vezes, até considerados como parte do próprio corpo. Portanto devemos trata-los assim.

domingo, 19 de agosto de 2012

O DILEMA DOS PAIS DIANTE DO SONO DO FILHO



Minha filha, com quase dois anos e meio, costumava visitar a cama dos pais durante a noite. Numa dessas típicas conversas diurnas sobre o assunto, ela questionou: “Eu não quero dormir sozinha”. Expliquei que ela dormia junto com a sua irmã mais nova, no mesmo quarto.

“Não, mamãe, ela tem o berço dela. Eu não quero dormir sozinha!”, ela exclamou.

 “Bom, quando você crescer, vai ter um namorado, vai se casar e dormir com ele”, eu disse.

“E isso vai demorar muito?”, ela perguntou.

Minha filha de quatro anos é uma destas crianças que, junto conosco, desenvolveu rituais muito criativos para dormir. Tão criativos, que transformaram o ato de dormir em uma complicada tarefa de horas; e, claro, nossas vidas, em um inferno.

Como “santo de casa não faz milagre”, fui atrás dos inúmeros textos e materiais sobre como lidar com o adormecer do filho. E logo um dilema se impôs: se, por um lado, a escola cognitivista fornece uma série de receitas de como adaptar o filho a um comportamento esperado (tipo “nana nenê”); por outro lado, meus colegas psicanalistas costumam dizer que “por trás de todo distúrbio de sono, há um grande problema escondido no armário”.

Os esquemas comportamentais, às vezes, podem ser muito úteis, principalmente nas situações em que é necessário ensinar uma criança a dormir e tirar a chupeta. A ressalva está mais na forma como eles são adotados, do que em seu viés educativo. É certo que temos que ensinar nossos pequenos a dormirem sozinhos, mas é complicado deixá-los por muito tempo chorando, em desamparo, até cairem em exaustão.

Pois é certo que o sono das crianças, assim como o dos adultos, varia do estado mais profundo para o mais desperto. Nesse estado mais desperto, a criança checa se os rituais ou objetos necessários para seu adormecer estão presentes. Caso não estejam, ela chora, chama os pais etc. Portanto, os pais precisam ensinar a criança a prescindir dos “rituais amalucados” a que está acostumada para conciliar o sono, para, então, se conformar apenas com um travesseiro, bichinho ou, simplesmente, sua cama.

Bom, e aí? O que fazer? Se tento acabar com as pequenas “manias”, posso estar “abafando” um problema; se as mantenho, enlouqueço! A solução encontrada foi, sem dúvida, uma medida pedagógica, com prêmios, conquistas marcadas em calendário e pequenas metas a serem atingidas. Em um mês, minha filha conseguiu adormecer sozinha, e creio que foi muito bom para ela essa conquista de autonomia. Digo também que é extremamente útil, nessas situações, os pais se questionarem o porquê da criação de todos esses rituais, ou mesmo conferirem se há um problema, um “probleminha”, ou, ainda, um monstrão guardado no armário. E é justamente com esses questionamentos e práticas que esse possível “monstrão” pode aparecer e, assim, ser devidamente combatido.


POR QUE MEU FILHO AINDA NÃO FALA?



Ao colocar nossos filhos na escola, inevitavelmente, nós pais começamos a comparar os pequenos. É obvio que encontraremos inúmeras diferenças entre eles, tanto no seu desenvolvimento como nas aptidões de cada um. A fala, em geral, será o que nos gera mais ansiedade.
É sempre bom lembrar que cada criança tem um ritmo próprio de desenvolvimento e, surpreendentemente, algumas crianças estão cada vez mais precoces. Esta precocidade não invalida que as primeiras palavras com significado sejam esperadas até os dois anos. O fato de uma criança não iniciar cedo a fala também não significa que terá outras aquisições tardias. Mas a ansiedade dos pais em torno do problema pode, sim, deixar suas marcas.
Cabe aqui ressaltar que, nesta idade, o mais importante é que a criança esteja na linguagem, isto é, que determinados sons e sinais tenham o mesmo valor de comunicação.
Alguns comportamentos e fatos na história da criança podem ser norteadores para os pais saberem se devem ou não consultar um profissional especializado. Ao final do segundo ano de vida, espera-se que a criança faça uso da voz para se comunicar, goste de ouvir música e de brincadeiras rítmicas. Atenda pelo seu nome quando chamada e tenha interesse por crianças da mesma idade, não preferindo brincar isolada. Mas desde os primeiros meses seria esperado que a criança olhasse nos olhos da mãe ao ser amamentada, sorrisse (até 3m), balbuciasse (em torno de 4m) e se voltasse
para a pessoa que entra no ambiente onde está (até 4m), oferecesse partes do corpo para brincadeiras (até 8 meses), usasse sílabas repetitivas (em torno de 9m).
O principal fator de preocupação no atraso da fala seria uma perda auditiva que poderia estar vinculada a inúmeros fatores, entre eles: problemas congênitos, prematuridade, ter permanecido por longo período em incubadoras, uso de antibióticos ototóxicos nos primeiros dias de vida, rolha de cera no ouvido, quadros de otite média.
Em segundo lugar, pautaria-se os fatores emocionais e relacionais. Desde a concepção a criança é imaginada pelos pais. Antes mesmo de seu nascimento são feitos planos para o filho dando-lhe um lugar único e próprio no mundo. Desta forma, em torno do bebê irá circula uma série de dizeres. Quando nasce, os pais, a família, lhe falam, em geral, modulando a voz de um modo todo particular, despertando, no bebê, um interesse na comunicação. Nestas conversações com o bebê, já se supõe que ele seja um bom interlocutor e alguns de nós chegamos até a responder em nome do filho, abrindo-lhe este mundo de desejos e projetos. Problemas nesta comunicação podem ser geradores de atraso da fala.
Por fim, atitudes super protetoras com a criança, também podem gerar inibições na fala. Quando os pais se preocupam exageradamente em suprir todas as necessidades do filho não lhe dando nem a oportunidade de precisar comunicá-las.
No cotidiano, a melhor sugestão que podemos dar é: converse bastante com a criança, estimule-a a responder. Não corrija sua fala, apenas repita o que ela está tentando lhe dizer da forma correta, sem expressar reprovação. Faça brincadeiras musicais e rítmicas. Procure falar e brincar frente a frente com a criança. Não esqueça, o mais importante é que estes momentos sejam de muito prazer.

por Mira Wajntal, psicanalista e  Maricy T de Almeida Fenga, fonoaudióloga

CONSTRUIR TUDO QUE VEM À CABEÇA. UM DISPOSITIVO DE TRATAMENTO CLÍNICO

Diante da dificuldade clínica de se trabalhar com crianças e adolescentes que pouco têm o hábito de conversar com um adulto sobre suas vivências, desenvolver alguns artifícios que superassem esta dificuldade tornou-se um desafio.


Trabalhar  oferencendo uma diversidade de materiais plásticos, no consultório, mostrou-se uma excelente solução para o atendimento destas crianças. A ideia é poder fazer com que suas produções  e vivências pudessem, paulatinamente, encontrar um contexto, um sentido. Propomos  construções que contextualizassem sua expressão cotidiana, com a perspectiva de resgatar o contexto de sua história a que estas inscrições remetem.  Pois a experimentação concreta é o que possibilitava a estas crianças começarem um trabalho de encadeamento de suas vivências. O que observávamos é que a expressão comporta o registro do vivido, da fala e do desejo . 

“Construir tudo que vem à sua cabeça” passou a ser o mote destes atendimentos em atelier. Sentença que se mostrou extremamente atrativa para estes jovens, na faixa etária dos nove aos quatorze anos, momento em que associar livremente apenas com palavras parece estar inibido ou latente. Passei, então a adotar a construção com sucatas como instrumento de trabalho.



MIra Wajntal in: Bialer, M (Org.) -  O trabalho PSI na Saúde Pública. Editora novo conceito,Riberão Preto, 2011